quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

...:::Carta suicida:::...

Caro Pierrot,

há quanto tempo não lhe escrevo. Muito tempo, não é? Logo você, que sempre foi meu grande amigo, meu amigo inseparável, que sempre escutou meus lamentos, que sempre me viu chorar, me apoiou. E é pra você esta carta, minha ultima carta, é pra você que eu deixo meu adeus.
Tantas coisas aconteceram depois que me fui. Mas a vida não foi boa comigo. Não a culpo. Talvez eu não tenha sido capaz, capaz de construir minha própria felicidade. Você se lembra? Se lembra de como eu era esperançosa? Eu tinha tantos sonhos... Mas depois que fui reprovada no vestibular, meus olhos mudaram. Eu sabia que um curso universitário não era garantia de felicidade, mas era meu grande sonho, era só no que eu pensava. Foi tão duro pra mim. Eu chorei tanto, você se lembra? Você secou minhas lágrimas. Foi quando amadureci. Eu ainda era tão adolescente. Foi umas das últimas vezes que nos vimos. Eu logo parti. Te deixei pra trás. Grande erro. Mas nunca lhe esqueci. Nem quando consegui aquele emprego, minha grande felicidade! Eu só pensava em anunciar aos quatro ventos que tinha arranjado um trabalho e que ganharia meu próprio dinheiro! Eu só queria ir pra casa e deitar na minha cama enquanto você me ouviria e me olharia com aqueles olhos tão carinhosos. Até hoje trabalho no mesmo lugar, na mesma posição. Eu sempre quis ter um cargo melhor, evoluir por mim mesma, sempre tive esse sonho, você sabe... Mas nunca consegui. Não é o que posso dizer de fracasso... Ou é?
Te contei do Daniel? Meu grande amor... Ele é maravilhoso. O conheci na praia, tão lindo. Eu deixei que ele fizesse comigo tudo o que queria. Eu gostava, não nego. Ele me usou. Ele me ligava e me dizia que me queria e eu parava o que quer que estivesse fazendo e ia pra casa dele, ou ele vinha na minha casa e a gente derrubava as coisas e ele sujava meus copos. E eu lavava a louça dele depois. Eu lavava, acredita? Céus, isso é que é amor! Eu nunca pensei que lavaria a louça de alguém! E depois, ele ficava meses sem me ligar. E eu me descabelava, emagrecia, tomava anti-depressivos. Aprendi a gostar de bebidas alcoólicas nessa época. Dei alguns vexames... Coisas tristes, nem gosto de pensar. Me envergonho disso, eu nunca gostei de bebidas. Você sabe. Depois de todo aquele tempo, ele tocava minha campainha e a gente fazia amor no tapete, sem que ele me desse nenhuma explicação. Eu me sujeitei. Fui contra mim mesma, as coisas que acreditava. Eu, quando era jovem, nunca pensava que iria viver uma coisa dessas! Eu era tão feminista, me achava tão forte. Mas eu me enganei, eu sou fraca. Tantas vezes chorei, encolhida num canto da minha casa. Não é nada como imaginei. Eu queria que tudo fosse de outra forma e meus sonhos eram tão bonitos. Bem.. O Daniel se casou há dois meses. Já nos encontramos depois disso, mas não me sinto bem assim, sendo sua amante. Mas quando ele aparece aqui, não consigo recusar. Acho que ele sentirá minha falta. Espero...
Você tem visto as meninas? Tenho pensado muito nelas ultimamente. Elas estão bem, não estão? Tenho certeza que estão felizes, todas conseguiram o que sempre aspiraram. Só me entristece o fato da gente ter se separado. Quer dizer, eu ter me separado, pois sei que elas estão juntas sempre que podem. Bem, a verdade é que eu não tenho amigos. As vezes, aos sábados, eu comprava algumas coisas, pra fazer um lanche, um café, caso alguém viesse. Ninguém nunca veio. Não sei se alguém, além de você vai estar no meu funeral. Vou deixar minha carteira de identidade no bolso para me certificar que saberão meu nome.
Não deixarei nenhuma herança, afinal, não tive filhos. Você se lembra de quando meu pai teve aquele ataque fulminante de coração? Me arrependo tanto de nunca ter dito o quanto o amava. Mas nada me fez sofrer tanto quanto aquele incêndio... Todos, mortos... Foi horrível. Me senti sozinha, completamente sozinha e é assim que me encontro hoje. Penso em como estaria meu irmão, minha prima. Seriamos uma família, mas eles foram tirados de mim. Eu realmente sinto falta da minha mãe. Por quê? Por que eles tinham de morrer daquela forma? Na noite de Natal?! Foi horrível. Eu nunca superei. O baque foi muito forte, muito forte pra minha mente fraca. Quando cheguei ao prédio, atrasada, com os presentes nas mãos e o vi em chamas... Eu desmaie, passei dias em choque... Mas ninguém cuidou de mim... Todas as pessoas que me amavam morreram ali. Não posso viver sem eles. Me entristece saber que os suicidas não vão para o céu e que terei que passar a eternidade sem eles, pois eles foram pro céu... Eles eram a melhor família que eu poderia querer.
Ah, eu me sinto tão triste, sem razão pra viver... Minha casa está tão fria... Eu estou tão fria... Eu não leio mais, eu não tenho vontade de comer, as palavras não saem quando escrevo. Minhas roupas estão sujas, meus cabelos sem corte, roí as minhas unhas. Meus espelhos estão quebrados, meus lápis sem pontas. Cansei do cor de rosa, rabisquei as paredes com batom. Joguei fora meus CD's, abri a barriga dos meus ursinhos de pelúcia e espalhei o recheio deles pela casa. Guardei a cabeça de alguns. Não sei porque fiz isso... Eu gostava tanto deles...
Sabe, acho que estou muito cansada. Cansada de ver meu próprio fracasso, minha incapacidade. Estou cansada de ter sonhos e saber que eles nunca serão realidade. Estou cansada de passar as noites olhando pro teto rachado do meu apartamento. Meus olhos tem vergonha de ver meu rosto no espelho.
Eu não suporto mais a solidão... E pensar que um dia ouvi tantas juras de amor eterno. Disseram que nunca iam me deixar. Mas só restou você, querido. Você foi meu único amigo. Me desculpe. Me desculpe se não fui a amiga que você quis ter ao seu lado, me desculpe por todos os meus defeitos. Pela minha fraqueza... Me desculpe se esse meu ultimo ato lhe causar dor; se a minha covardia, minha desistência lhe fizer chorar... Você não merecia isso. Você é tão bom. Você merecia uma amiga melhor, mas presente. Obrigada. Obrigada por tudo que você fez por mim, por me ouvir, por ler essa última carta, pelos seus olhos azuis tão compreensivos... Torço, do fundo do meu coração, pela sua felicidade e sucesso. Você merece, querido. Saiba que eu nunca vou esquecer você. Sabia que pensarei em você de qualquer lugar em que estiver. Eu te amo. Você foi como um irmão pra mim.
Sua querida amiga, Juliana.




Ok, ok, precisamos esclarecer algumas coisas. Esta é minha carta suicida. Ela é um tipo de "Soma de todos os medos". Tudo que eu mais temo aconteceu à Juliana da carta. Mas ela não sou eu. Pelo menos por enquanto, hehe...
Esse texto foi escrito pra ser deprimente, eu queria fazer algo bem emocionante, fazer alguém chorar quando lesse. Não sei se será possivel. Mas foi o melhor que pude fazer.
Outra coisa que precisa ser dita: Pierrot é meu gato branco de olhos azuis que me acompanha nas noites insones. De pelúcia.

Esse texto foi começado dia 11 de Dezembro de 2002 e terminado dia 26 de janeiro de 2003.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2002

Observo-te dormir
envolto em teus sonhos secretos.
O vento afaga seus cabelos.
Os olhos reviram sem medo.
A harmonia de tua face tranqüila.
A maciez de tua boca.
Ouço tua respiração.
Chegando cada vez mais perto...
E perto...
De repente vejo me sozinha no quarto escuro
Tateio a tua procura.
Tento sentir teu cheiro...
Mas não...
Quem estava envolto nos próprios sonhos
era eu...