terça-feira, 28 de julho de 2009

Olhar pelas luzes da cidade através do vidro embaçado, respingado da chuva incessante.
O rosto se ilumina, se apaga, se ilumina, o eterno jogo.
Quem saberia? Quem iria dizer? Uma noite corriqueira de julho, chuvosa e entediante, seria o dia mais importante de sua vida?
O insulfilme esconde dentro do carro preto a face confusa. Os olhos suplicam um herói, mas ninguém sequer os vê. Os lábios fixos, não se mexem, não saberiam expressar em palavras todo o turbilhão que se esconde dentro desse muro contido. E se rebate violentamente lá, presa.
Dirige mecanicamente, checa os espelhos mas nada vê. A rotina tão monótona parece ditar até mesmo os semáforos vermelhos e as músicas da rádio. As pessoas são as mesmas, as barberagens no trânsito são as mesmas, nada a surpreende, nada a arrebata, a não ser ela mesma, urrando sem sentido, sem motivo.
Duas, três, quatro quadras... O caminho é curto. O espaço é pouco. Pouco demais, pra nós três, baby. Eu e você. Eu e você, Solidão. Eu e você, Melancolia. Meu casamento bigâmico.
Uns músculos levemente tensionados, as pálpebras se fecham com mais força, as rugas que em breve apareceriam...
Novamente se abrem. O sinal verde já espera. Engata primeira.
Tudo brilha. Não, é escuridão. É tão silencioso dentro do caos. São os cacos de vidro refletindo os neons, girando em todas as direções, entrelaçando pelos cabelos, tocando violentamente a sua pele.
A visão periférica, os milésimos de segundo que seus olhos tiveram para avisá-la antes que tudo entrasse em slow motion, antes que o metal gemesse, antes que a fatalidade se realizasse.
E pode sentir delicadamente a aproximação de seu algoz, como dedos amorosos tocando seu braço numa manhã preguiçosa, o despertar lânguido de um sonho pouco agradável. É quase bom, seria bom se não doesse tanto, cada osso esmagado, cada órgão pressionado.
E o objeto de sua adoração, pode vê-lo por um lampejo. Eram olhos verdes escusos por um cabelo preto. Eram sérios e determinados. Era esse o encontro que ambos esperavam, estava escrito, destino. Eles eram soulmates. O amor à primeira vista, arrebatador, correram na direção um do outro a 100km/h, não podiam esperar, era urgente, eles precisavam se unir, se atrairam de forma irreversível. Nenhum deles piscou, nenhum deles demonstrou medo ou arrependimento. De cabeça erguida, mergulharam para seu amor destruidor. O êxtase foi momentâneo, mas qual êxtase de amor dura mais do que um instante? E foi pleno. Foi inteiriço e confortável, como fazer o que se nasceu pra fazer. Como estar no colo de um companheiro, ele a abraçou, com suas extensões plásticas, metálicas, industrializadas em série. Ele flechou seu coração, transpassou seu corpo, mudou sua vida para sempre.
Ela havia esperado por esse momento, tão ansiosamente. Pensado nele todas as noites antes de dormir, pedido a vários deuses de vários credos. E quando seus olhos viram os olhos dele, ela soube, ela foi feliz. Eles foram um só.
Os cabelos voando desgrenhados, o cinto de segurança prendendo seu corpo enquanto o parachoque dele vinha ao seu encontro, as mãos soltando do volante. Os carros girando pela rua, como numa valsa, o homem guiando a mulher, o próximo passo, o próximo número, a coreografia certa. E os pneus cantando foram música. E tudo em volta se tornou um borrão, esquecido frente a importância desse acontecimento, esse primeiro beijo apaixonado entre dois amantes. O amor dói.
Ela sabia que quando ele chegasse, ele mudaria sua vida, acabaria com todo esse sofrimento. Ela estava certa, sempre esteve.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Sobre romantismo


Eu estava tendo um dia muito feliz até o momento em que me dispus a ler um livro romanticuzinho-piegas. A história era a de sempre: a mocinha traumatizada por um homem mau do passado tem medo de se entregar a um cara que a venera e a ama incondicionalmente; ele insiste até que ela finalmente perceba o que está perdendo e vivem felizes para sempre. Então eu fiquei deprimida, estragou de verdade o meu dia. E me perguntei o porquê. E a resposta é mais ou menos essa:

Demorei, demorei pra admitir pra mim mesma que sou sim uma romântica.
Quando tinha uns 15 anos, um amigo disse que se eu não encontrasse meu grande amor até os 19, nunca encontraria. E, apesar de ter achado besteira, concordava um pouco com ele.
Tempos passaram e me vi em relacionamentos que abominavam o romantismo. E eu realmente abominava. Detestava melodrama, apelidinhos, foram poucos os eu-te-amos e eu não sentia falta, era assim porque eu queria. Eu era um pouco mais velha que uma considerada adolescente, mas sempre fui 'do contra'. Nunca acreditei no amor. Quer dizer... Eu acredito que pessoas possam se amar, mas acho que esse sentimento é uma troca de conveniências, as pessoas fazem coisas exatamente pra que as outras as amem e essas respondem da mesma forma. E quando essa 'farsa' acaba, o amor também. Sim, sou pessimista.
Mais alguns anos vieram, mais pessoas cruzaram o meu caminho...
E parei pra pensar na cronologia da minha vida amorosa e percebi que depois dos 19, ninguém realmente me encantou: os amores platônicos que me acometeram nos últimos 3 anos foram de pessoas que conheci antes disso ou mesmo de lembranças de como elas costumavam ser quando éramos mais novos.
Então me dei conta de que não gosto dessas comédias românticas porque, pra mim, elas são extremamente inverossímeis. Não gosto de ler livrinhos de amor porque eles nunca acontecem na vida real e me deixa muito triste querer, sim, que um homem faça comigo o que os gentlemen apaixonados fazem por suas frágeis mocinhas.
No fundo, eu sou uma romântica pessimista. Não acreditando que nada disso seja possível mas querendo (desde sempre) que me provem que estou errada.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Primeiro escuridão. Então luzes. São flashes e neons. Agora música. Alta o suficiente pra afastar pensamentos, a batida massageia os órgãos e convence o corpo a se deixar levar.
O olhar ao redor, procurando alguém que se destaque, o strobo faz ver em slow motion. Todos são mais bonitos do que à luz do sol. Todos são mais interessantes, descolados, bem vestidos. Os espelhos refletem os egos inchados, as poses, os fakes, os cabelos milimetricamente despenteados e as roupas propositalmente descombinadas. Todos dançam tentando convencer o próximo de que não se importam, como se não houvesse mais ninguém na pista.
Caminha até o bar. Procura no cardápio o maior teor alcoólico pelo menor preço. O copo é o ponto de equilíbrio, sem ele, os braços não sabem o que fazer. Um brinde alegre pela noite. O primeiro gole em baixo das sobrancelhas erguidas ainda buscando um alvo.
Encontra um lugar na pista. A música é qualquer uma artificial, não conhece e não quer saber. Dança no ritmo proposto com a face blasé dress code. Está quente e abafado, a fumaça dos cigarros, o ar condicionado fraco.
O drink termina. Precisa de outro. Desta vez um shot pra fazer efeito mais rápido e uma long neck pra manter-se. Mais alguns minutos na pista e o álcool começa a fazer efeito: a música melhorou, o humor está mais amistoso, surge um leve sorriso no rosto, o corpo dança com mais excitação. As investidas são menos tímidas e mais diretas. Encontra uns interessantes na multidão e monitora-os ao mesmo tempo.
São olhares, meneares de cabeça, movimento de cabelos... Demora um pouco, alguns sequer a notam, mas um deles caiu em sua isca. Finge um pouco de desentendida e realmente se pergunta qual o próximo passo a se tomar. Todas as possíveis reações passam por sua mente, a maioria pessimistas. Mas ele se encarrega e vem até ela. Uma conversa fatica na qual fingem não se ouvir pra poder aproximarem seus rostos, seguem o protocolo do nicetomeetyou, ele se oferece pra lhe trazer uma bebida. Depois dançam se exibindo e ela sente a mão dele posar em sua cintura, procura o rosto dele perto de seu cabelo com a mão por cima do ombro e ele a beija no pescoço. Ela se vira, leva seu nariz em direção ao dele mas antes que se toquem, ele já a beijou. Desajeitadamente sentem o gosto um do outro, estranham os gestos, forçam-se a se acostumar. Logo esgueiram-se para os estofados laterais e continuam a se conhecer. Esquecem completamente as companhias com que vieram e dedicam-se apenas um ao outro.
O tempo passa. Com ele, sussurrado ao pé do ouvido, um convite. Ela recusa a principio, mas sabe exatamente a hora de aceitar. Pagam suas comandas, pisam na calçada e um vento gelado arrepia seus braços. Colados andam até o carro.
O caminho curto é repleto de malícias, beijos rápidos e ardentes, mãos deslizantes e olhares sujos. Estacionam. Descem do veículo e usam-no como apoio para um abraço mais atrevido. Logo dirigem-se a uma porta de vidro e pedem um quarto no balcão.
Risinhos no elevador.

[continua]