terça-feira, 1 de abril de 2008

Ela era minha tia favorita. E da minha mãe também, visto que foi a escolhida pra ser minha madrinha. De todos os seis daquela casa, se ela não estivesse lá quando o visitávamos, a visita não estaria completa. Ela tinha muito jeito com criança. Ela tinha muito jeito com todo mundo. Ela fazia amizade com o leiteiro, com o carteiro, com o motorista do ônibus, com a enfermeira, com a feirante... Ela era a simpatia em pessoa. Tinha um sorriso contagiante e uma voz gostosa de ouvir (roubei sua frase, Jr.), dava vontade de perguntar, tintim por tintim, todas as coisas que aconteceram na vida dela, só pra ouvi-la contar... Ela me comprava canudinhos de biju recheados com chocolate quando eu era criança.

Ela era vaidosa, sempre passava batom e eu ficava fascinada com aquele batom verde que ela tinha, que mudava de cor.

Ela tinha milhares de anotações na sua agenda, de contas, de encomendas, de telefones de amigos... Ela fazia transações bancarias mais complicadas do que a minha mente consegue imaginar mesmo com 78 anos de idade...

Ela foi tecelã quando na época diziam que negros não podiam trabalhar em tecelagem porque ‘suavam na mão’ e manchavam o tecido. Mas ela não.

Ela não se casou e não teve filhos. Na verdade, nós fomos seus filhos.

Quando fui pra Bauru fazer faculdade, me afastei um pouco daquela parte da família, por falta de tempo mesmo pra ir visitar quando estava aqui. Então quando os via, não tinha assunto, fiquei desacostumada com todo mundo...

Mas então eu voltei pra casa. E ela adoeceu. E nas 5 semanas que ficou no hospital, eu fui lá fazer companhia quase todos os dias. E então retomamos mais forte do que nunca a nossa amizade. Ela me contou coisas que eu antes era criança demais pra saber. Ela me contou da sua infância e da competição de canteiros que ela e suas irmãs tinham... E dos porquinhos que elas davam nome e banho todos os dias, e choravam quando viravam comida...

No dia em que íamos buscar o resultado do exame pra saber o que ela tinha, eu chorei de medo enquanto dirigia.

Foram quase 2 meses desde a confirmação até a sua partida. Nesse tempo a doença já foi nos prevenindo. Ninguém vive para sempre e uma hora isso certamente iria acontecer. E a cada agravamento, nós sabíamos que essa seria a causa, só não sabíamos quando.

Eu cruzava a cidade e enfrentava congestionamentos pra buscá-la a cada sessão de quimio. E depois a levava de volta. Todas as vezes.

Eu via que a situação teria esse fim, não menti pra mim mesma. Vivi os cinco estágios e tive forçosamente que passar pro ‘aceitação’.

Então era uma despedida, estava chegando a hora de dizer adeus.

Nos últimos tempos, eu tinha até vontade de evitar o contato porque era incomodo demais ver como ela estava debilitada, tendo sido a pessoa independente e forte que foi. Mas nós somos uma família. E nós somos a família dela.

Ontem de manhã, quando soubemos, nos conformamos, não queríamos prolongar mesmo o sofrimento dela. Ela se foi. Foi triste.

Porém, o momento mais triste foi quando meu irmão ajudou a levar o caixão dela e eu o vi chorar como nunca havia visto, quando vi as lagrimas dele cairem na tampa de mármore...

E muitas pessoas foram se despedir dela, porque "quem não gostava da ’tia Límpia’?"

Ela se foi. Às vezes parece irreal saber que não vou mais ver as mãos dela (e tenho tão viva na mente a lembrança dessas mãos de quando era criança). Queria que meus filhos pudessem conhecê-la.

Ela era minha tia preferida. Eu choro escondido enquanto olho fotos de nós duas.

Tchau, Tia Madrinha.