terça-feira, 15 de novembro de 2005

Confete

Um papel rasgado. Passional. Não se pode, não se deve deixar a mostra papeis rasgados. Após o ato, as duas mãos descendo ortogonais, as pontas dos dedos assassinando as lembranças, desencadeando satisfação do tipo mais efemero, deve-se rapidamente se livrar deles. Queima-los, joga-los no lixo, lança-los pela janela...
Deixa-los sobre a cama.... Grande erro. Ao lado de um espelho, uma caixa de lenços descartaveis, travesseiro ou bichinho de pelucia. Não. Um deslize primario.
Ao acordar de uma hora de sono resultado do choro convulsivo, ao voltar pra casa depois de uma balada de madrugada inteira, de um dia ruim no trabalho, ou qualquer que seja a situação. Se houve um tempo, um intervalo, um banho, uma reflexão, um acalmar de nervos, nada, nada deve ser encontrado que represente ou recorde o momento de furia.
Olhos vermelhos, marcas de maquiagem no rosto, vergões nos braços de tanta forças que foram segurados, dor nas costas da contração dos musculos, uma paz, quase um cansaço, uma falta de sentimentos (e tanto que eles foram expostos, evaporaram). Sintomas, contra-indicaçoes, efeitos colaterais.
Entretanto, ver ali, rasgados, num canto da casa, as lembranças, faz engolir um pedaço grande demais, empurra o esofago, parece que pressiona o coração. Torna qualquer desabafo, tolo. Aponta e escurraça. Traz uma vergonha de tudo aquilo que foi sofrido porem agora parece tão irreal, tão longe. Parece precipitação, bobagem. Tão desnecessario. Transfigura qualquer decepção num acesso infundado de raiva. Arrepende-se. Condena-se. Abaixa a cabeça, inclina-a. Os homens deixam de ser merecedores de tanto gasto energetico. As mulheres de fazer diferença na vida.
E quando finalmente encobre um amor-proprio, uma aura de auto-estima, eis que bate um vento pela janela e derruba, espalha para todos os lados, os papeis descuidados, trazem a imagem do acontecido, trazem o desdem, um piscar de olhos seguido por um rapido suspiro que contem qualquer lagrima que ainda ouse doer e traz, forte, a impressão de que nada valeu a pena, nem mesmo rasga-los.
Etiqueta-o como inconsequente. Tira do altar-refugio, do eu-sou-muito-melhor-que-isso-e-ninguem-tão-baixo-vai-me-atingir. Rebaixa-o novamente a condição de reles pecador insensato.

sábado, 12 de novembro de 2005

História de uma bolha da espuma do mar


A agua salgada do mar não é apenas mais um ecossistema, não é apenas onde surgiram as algas, onde o oxigenio de todos os animais é produzido... Não, a agua do mar pode ser muito mais do que meio, ela pode ser o que é, ela pode ser agua do mar, formada por sais e elementos quimicos, ela é simplesmente o que os fenomenos fisicos fizerem dela. É daí que surge uma nova forma de agua, a espuma. O conjunto espuma é integrado por partezinhas pequenas, quase imperceptiveis, as bolhas.
Quando uma bolha nasce, não tem ideia do porquê de ter nascido. Ela simplesmente nasce. E simplesmente vive. Até começar a sonhar. Então a espuma deixa de ser simplesmente espuma e sais e elementos quimicos e passa a ser um mundo complexo, grande, uma rede extremamente ramificada de relações sociais.
O sonho. Substantivo tão dificil de ser definido e tão facil de ser compreendido. Não se sabe bem se preto-e-branco ou se colorido, mas impresso em todas, todas as bolhas, em cada particula de suas mentes, em cada suspiro prolongado, em cada infimo piscar de olhos.
No inicio, o sonho de uma bolha parece inatingivel e glorioso, porem, com o passar do tempo, ele muda, transforma, sofre mutação, se renova, a gloria chega e um novo sonho surge. A bolha egoista sempre quer mais. E mais um sonho. E outro. E outro. Todo eles inatingiveis e gloriosos. Todos eles pequenos e mesquinhos.
As bolhas deslizam suavemente, uma ao lado da outra, uma sobre a outra. São levadas pela maré, refletem a luz do sol ou da lua, são completamente livre e cheias de livre-arbitrio, mas quase não conseguem realizar um movimento individual. Por isso gastam praticamente toda a sua existencia e sua energia buscando se saciarem em objetivos particulares, acotovelando-se, travando guerras coletivas para interesses pessoais, desejando sempre para si toda a superficie e pouco se importando com o que ocorre no nivel abaixo delas. Na ansia pela ascensão, algumas bolhas mais rudes e menos habilidosas acabam por empurrar bolhas mais sortudas porem não tanto esforçadas para o topo.
Já à flor d’agua, eis que as felizardas bolhas se deparam com um novo dilema: a superficie ja não é o suficiente. Talvez a areia dourada? Talvez os cocos verdes que navegam? Talvez os pés movíveis? Talvez o vento libertador? Quem sabe o céu colorido pelo sol poente?
Angustia. Desespero. Solidão. Duvidas. Tudo pelo sonho glorioso e inatingivel. Pequeno e mesquinho. A bolha passa noites insones deitando lagrimas ao travesseiro e sempre repetindo o mesmo pseudo-mantra “Viver a vida intensamente.”, sem, contudo, entender o sentido de sua existencia, tapando os ouvidos às insanas palavras de esperança proferidas por de bolhas taxadas de loucas (incompreendidas).
A bolha, então, fecha os olhos, procura nos prazeres mais inconsequentes esquecer sua agonia, afoga-se na auto-destruição, esgota seus recursos vitais, permanece a deriva, enquanto cansada sente as dores de uma vida tão efemera e tão desgastante. Ignorando, ainda, a inutilidade de suas quimeras.

Pluft.


Epilogo:
A bolha explodiu, sumiu para sempre, foi absorvida pela areia, evaporou-se sob o sol poente, escondeu a lua como nuvem e aguarda seu desfecho inevitavel e glorioso.



Carol, se não posso tocar com você a quatro mãos, podemos filosofar no notebook a quatro mãos. Obrigada pela parceria. =)