terça-feira, 28 de janeiro de 2003

Shhhh

É na imensidão de um silêncio
Que as palavras se perdem...
Que os olhares ganham vida...
Que os gostos se encontram...
Que o sentir passa a ser
Mais do que o que se imagina.
Que a vida ganha sentido...
Que se aprende a amar...
É na imensidão de um silêncio.

domingo, 26 de janeiro de 2003

Nightmare


Hoje eu quero morrer. Mas só por hoje. E não pode ser uma morte qualquer, de qualquer maneira. Hoje a noite quero me ver branca e gelada, com uma mão pendendo fora do sofá, com os olhos abertos. E quero que o meu espírito observe tudo, de perto, de preto, de cabelos lisos e rosto sem expressão, de braços cruzados e pés descalços. Quero que ele veja a morte do meu corpo, a fraqueza da carne, meus cabelos desgrenhados. E que, quando, ainda lúcida, sentir o cianeto de potássio invadir minhas veias, eu tenha um sorriso nos lábios. E nessa noite, sozinha, vou ser capaz de dar o rumo que desejar à minha vida, sem dúvidas, incertezas ou contragostos. Dessa vez, só dessa vez, eu seja dona do meu nariz, independente, decidida. Nem que seja decidida a acabar com a própria vida.
E que, quando a minha respiração cessar de vez, meu espírito caminhe até mim e me beije na testa fria e suada. E que, quando as pessoas, com seus rostos cheios de horror, exclamarem "Coitada!", ele dê risinhos sarcásticos de seus posto invisível.
E as lágrimas que forem derramadas sobre meu corpo limparão os olhos do meu espírito, olhos que sangram.
Hoje a noite quero me ver num caixão de mogno, de camisolão branco e florzinhas delicadas nos cabelos, como no sonho mais tranquilo. E meus amados, de olheiras ou olhos inchados, silenciados pela dor, levarão flores amarelas. E o meu espírito andará entre eles, desapercebido, e ouvirá histórias da minha infância. E meu espírito sentirá uma dor, tão grande, estridente e rubra. Sentirá que traiu o amor das pessoas que ele mesmo ama.
Hoje, quando meu caixão for fechado e as flores cairem sobre ele, meu espírito chorará torrencialmente junto aos meus "convidados" e desejará profundamente voltar à vida. Desejará viver como nunca viveu.
E no final dessa noite, quando uma garoa fria cair e todos já tiverem ido embora, meu espírito voltará à sala, acariciará o sofá. Ficará desolado, sentirá frio, andará a esmo, terá náuseas. O desespero tomará conta dele. E passará as unhas na pele, tentando arrancar aquele sentimento horrível de dentro dele. E, de repente, quando ele se voltar para o estofado negro, verá meu corpo novamente, estirado, pálido, com a seringa ainda nas mãos e olhos fechados, sonhadora. Sorrirá, ficará aliviado, feliz por ver meu corpo ainda são, ouvir meu coração palpitante.
Nesta noite, quando eu estiver prestes a injetar o veneno letal, meu espírito correrá e mergulhará em meu corpo. Uma onda de arrebatamento me atingirá e a venda dos meus olhos cairá. Como que desperta de uma hipnose, me darei conta do que estava por fazer, me assustarei, deixarei que a seringa caia, tremerei incontrolavelmente. Meus olhos se encherão de lágrimas mas eu sentirei calor, sentirei meu rosto queimar com a vivacidade e meu corpo inteiro formigar, como a buscar ação.
Esta noite, depois de me ver morta e depois de voltar à vida, eu serei outra pessoa. Eu aproveitarei cada momento, darei o melhor de mim, irei até o fim, não me calarei diante das injustiças, não esconderei meus sentimentos, terei orgulho de mim, amarei como nunca o fiz. E nunca mais irei querer me ver morta novamente.