terça-feira, 5 de junho de 2007

Pai


Esse assunto tem martelado aqui. São tantos os motivos pra me desculpar, pra esconder o verdadeiro, aquele que eu sempre tive medo de sentir.

Pai. Durante muito tempo considerei a hipotese de nunca me sentir mal quanto ao relacionamento com o meu pai. A coisa toda nem é tão complicada assim, na verdade é tudo simples, suponho, sou eu a emaranhar sem necessidade.

Eu não consigo me lembrar da ultima vez que falei com ele ao telefone. Muito menos quando o vi... E de tempos pra cá tenho sentido uma coisa que nunca senti em toda a minha vida: saudades dele.

Eu não me lembro da época em que era apegada a ele, quando ainda era um bebe e dormia na barriga dele no sofá... Quando me levava pros jogos de futebol e eu assistia de dentro do carrinho enquanto um amigo dele ficava ao meu lado. Eu não me lembro de morrer de medo dos fogos de artificio na virada do ano quando estavamos na praia, sentada, encolhida, nos ombros dele. Mas está tudo isso aqui dentro de mim.

Mais tarde, aprendi logo a viver sem ele, já que seu trabalho o levava para cidades fora de São Paulo por semanas. Hoje imagino o que sentiria a minha mãe naqueles períodos.

Depois disso veio o dilema da separação, o fim do casamento... Sem entrar em detalhes, assumi o posto de capitã de uma fortaleza e construi uma muralha entre nós.

Ele é sem dúvida a causa do meu ceticismo quanto ao amor, quanto aos homens, quanto a tantas outras coisas...

Não que antes disso tudo fosse as mil maravilhas, sempre houve tantos pontos de divergencia...

Mas agora, eu nem consigo me recordar quais eram eles...

Eu continuo respeitando-o como meu pai, como imagino que todos os pais deveriam ser respeitados, nunca levantei a voz ou fiz algo para insulta-lo. Se ele disser algo que eu não gosto, não falo nada, afinal, tenho em mim a caracteristica de acreditar que cada um pensa o que quiser, o que foi levado a pensar, o que sua vida lhe mostrou... Não tento mudar a opinião de ninguém, isso inclui a ele.

Porém, ele não sabe nada da minha vida. Ele não sabe o que eu faço ou deixo de fazer, das minhas necessidades, meus amigos, minha faculdade... Não peço permissão a ele quando vou viajar (na verdade não peço mais a minha mãe também mas tudo isso se deve a um grande caminho em direção à liberdade da vida adulta que assumi desde que fui morar fora de casa), não conto quando estou doente, qual livro estou lendo, quem estou namorando...

Isso durante muito tempo não fez diferença, até facilitou muitas coisas, na verdade... Tudo o que eu não queria era um pai me condenando pelas roupas que eu queria usar ou me impedindo de sair com quem me desse vontade.

Eu sei bem que isso não significa que ele não me ama ou não está nem um pouco interessado na minha vida. Sei que tudo isso é resumivel a duas palavras: confiança incondicional. Ele confia em mim incondicionalmente, sabe que sou responsavel, sabe que tenho juizo... Nunca pediu satisfações sobre coisa alguma, nem sobre o dinheiro que me mandava nem nada. Não existem cobranças.

Talvez ele não se sinta no direito de cobrar nada de mim porque eu sempre lhe dei a impressão de estar em falta comigo.

E hoje eu compreendo.

De uns tempos pra cá eu tenho sentido uma coisa estranha. Era uma não-saudade de uma coisa que eu nunca tive. Eu vi tantas outras pessoas e tantos outros pais e tive vontade de que o meu pudesse ter sido diferente. Mas estava conformada com o fato de saber que isso nunca havia sido de outra forma, saber que nem todas as pessoas são iguais, me contentar por nunca termos brigado ou qualquer outro incidente que nos entristecesse seriamente.

Alguns novos incidentes, entretanto, trouxeram aquele medo que eu sempre tive medo de sentir. Arrependimento. Arrependimento precoce de imaginar que um dia eu posso chorar por nunca ter tentado mudar.

Mas ao mesmo tempo, como? Faz quase dois anos que não nos vemos e somente agora sinto saudades, somente agora caiu a ficha...

Ele não mora em São Paulo, eu praticamente não moro em São Paulo... É tudo tão longe...
Eu gostaria de pelo menos poder ter contato suficiente pra saber o que nos levou a essa distancia abissal.

Nunca em toda a minha vida eu tive coragem de expressar a falta que ele tem feito. Nunca... Eu tentei conversar sobre isso vez ou outra mas quem está aqui pra isso?

Não sei o que querer, o que pretender... Não posso dizer que irei nascer de novo, iremos nos redimir plenamente, mas quero poder acreditar.... Quero poder ir aos seus churrascos, quero poder apresentar pessoas importantes pra mim a ele, quero ver suas palhaçadas... Quero ouvi-lo cobrar a benção que eu sempre peço só depois dele cobrar... Quero rir com ele, assistir jogo de futebol na tv com ele, quero ter fotos com ele, quero ter ele na minha vida novamente.
Temos tempo ainda, me alegra, temos tempo ainda pra mudar isso tudo. Me alegro.


(só não sei por onde começar)